13 de Maio: Abolição ressignificada como o Dia de Luta contra o Racismo

“No dia 14 de maio, eu saí por aí. Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir. Levando a senzala na alma, eu subi a favela. Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci”. Os versos do cantor Lazzo Matumbi, que retratam o “dia seguinte” ao 13 de Maio, traduzem o sentimento predominante sobre o sentido da data aos negros. Antes festejado como o dia que marca o fim da escravidão no Brasil, o 13 de Maio foi ressignificado como o “Dia Nacional de Luta e Denúncia contra o Racismo”.

A nova simbologia da data se justifica pelas desigualdades raciais que perduram após 136 anos da publicação da Lei Imperial 3.353, de 13 de maio de 1888, a chamada Lei Áurea. Em Mato Grosso do Sul, à semelhança do restante do país, os negros, que representam a maioria da população, têm as menores remunerações, sofrem mais com o desemprego e são as maiores vítimas da violência, entre outras estatísticas desfavoráveis. Como parte das ações de enfrentamento a esse cenário, estão as garantias previstas em legislação aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS)..

Racismo em MS: os números da desigualdade e da violência

Em Mato Grosso do Sul, há 1,592 milhão de negros (soma de pretos e pardos), o que corresponde a 56% da população do Estado, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O rendimento médio do trabalhador negro, de R$ 2,69 mil, é 32% inferior ao valor médio recebido pelos brancos, de R$ 3,98 mil. Os negros representam 65% dos desempregados entre os sul-mato-grossenses com 14 anos ou mais.

Além das distâncias econômicas, os negros enfrentam outros problemas e violações, como as relativas à violência. Em Mato Grosso do Sul, de dez cada pessoas assassinadas, sete são negras. A proporção de vítimas de homicídio em 2021 foi de 71% de negros e de 29% de não negros, conforme a edição mais recente do Atlas da Violência, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Clique na imagem acima e confira o relatório da pesquisa do Ipea. 

Então, o que significa o 13 de maio?

Gerson Claro: “O Estado abandonou os negros à sua própria sorte”

(Foto: Luciana Nassar)

O presidente da ALEMS, deputado Gerson Claro (PP), formado em História, considera que o 13 de maio, embora tenha assegurado a liberdade formal a milhares de negros, não resolveu questões essenciais dessa população, que foi abandonada pelo Estado brasileiro.

“Os fatos históricos devem ser interpretados, sem ignorar os cenários em que ocorreram, não se podendo ignorar a correlação de forças políticas e históricas existentes na época. A Lei Áurea garantiu a liberdade formal dos 700 mil escravos que ainda existiam no Brasil em 1888 e proibiu a escravidão no país. Independentemente disso, não se pode deixar de reconhecer que a abolição não resolveu diversas questões essenciais acerca da inclusão dos negros libertos na sociedade brasileira. Depois da lei Áurea, o Estado brasileiro não tomou medidas que favorecessem sua integração social, abandonando-os à própria sorte”, analisou o deputado.

Vania Lucia: “É preciso refletir sobre o que foi a tal abolição”

(Foto: Divulgação/Governo de MS)

Quilombola, professora, historiadora e militante do movimento negro, a subsecretária de Estado de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial, Vania Lucia Baptista Duarte, enfatiza a necessidade de refletir sobre o 13 de Maio. “Quando falamos de ressignificação do 13 de maio de 1888, estamos dizendo que é preciso refletir sobre o que foi essa data, o que foi a tal abolição da escravatura”, afirmou.

A secretária comenta que ainda não houve efetiva inserção social dos negros em direitos e oportunidades e que toda a sociedade deve refletir sobre essa questão. “Essa população não foi inserida na sociedade, com direitos e oportunidades. Ainda enfrentamos racismo, violências, situação de desigualdade salarial, na educação. Toda a sociedade tem de fazer essa reflexão para que haja efetiva garantia de direitos”, considerou a secretária.

Lígia: “Não lembro de estudar questões raciais na escola”

(Foto: Arquivo pessoal)

Negritudes em construção

Lígia Chaves Ramos e Marcelo de Jesus Lima têm, em comum, a vivência de sala de aula, a rotina de educadores e de doutorandos, a consciência crítica, o estudo sobre questões raciais e o preto da pele. Além de comentários sobre o sentido do 13 de Maio, a professora e o professor também falaram dos processos de edificação da consciência como mulher preta e homem preto.

“O processo de construção de minha consciência de negritude foi um tanto tardio, visto que sofri diversos tipos de preconceito racial e de gênero, pelo fato de ser negra, mulher e oriunda da periferia do Rio de Janeiro”, contou Lígia. “Não tenho lembranças de estudar questões étnico-raciais na escola, muito menos de me apresentarem literatura negra. Era sempre o branco colonizador contando histórias de meus ancestrais”, acrescentou.

Marcelo: “É preciso uma segunda abolição”

(Foto: Arquivo pessoal)

O professor Marcelo assinala que há diferença entre ser tachado como negro e se reconhecer como pessoa negra. “Eu tenho uma aparência que não me permitiu me descobrir negro. Sempre fui apontado como negro, mesmo que durante a minha infância eu quisesse negar isso. Mas ser tachado como negro é uma coisa; reconhecer-se como uma pessoa negra é outra. Ler ‘Pele negra, máscaras brancas’, de Frantz Fanon, foi fundamental para esse processo de construção da negritude”, disse.

Segunda abolição

Com a inexistência de ações do Estado brasileiro, sem nenhum tipo de responsabilização e nenhuma política pública ou iniciativa de instituições sociais, a abolição da escravidão se limitou à mera disposição formal de uma lei.

Essa realidade exige, de acordo com o professor Marcelo, uma segunda abolição. “O movimento negro é heterogêneo, podendo ver o 13 de Maio de diversas formas. Mas uma visão dominante sobre essa data dentro dos movimentos negros é de que ela não passa de uma farsa, o que exige uma segunda abolição”, afirmou.

Confira aqui as entrevistas na íntegra com a professora Lígia e o professor Marcelo.

Parlamento estadual no enfrentamento ao racismo

Página de livro sobre racismo produzido pela Comunicação da ALEMS

(Arte: Luciana Kawassaki) 

Leis aprovadas na ALEMS promovem e defendem direitos dos negros e combatem o racismo em diversas frentes. Ao menos 11 leis foram aprovadas no Parlamento estadual nas últimas legislaturas. As normativas tratam, entre outros dispositivos, sobre reserva de vagas em concursos públicos e em cursos de graduação, proteção de expressões culturais afro-brasileiras, instituição do “Dia do Orgulho Crespo”, enfrentamento da intolerância religiosa e de outras formas de discriminação racial. Confira ao fim da matéria a relação das leis.

As ações da Casa de Leis de combate ao racismo e promoção de uma cultura antirracista podem ser conferidas na página multimídia “ALEMS Antirracista”, produzida pela Gerência de Site e Mídias Sociais da Secretaria de Comunicação Institucional da ALEMS. Outro produto da Comunicação da Casa de Leis voltado ao enfrentamento do racismo é o livro infantil “Preta, rainha nascida do céu e da terra: uma história sobre a beleza da diversidade” (clique aqui e confira o livro). 

Veja abaixo a relação das leis de enfrentamento ao racismo, aprovadas pela ALEMS:

Lei Estadual 5.388/2019: Estabelece sanções administrativas a serem aplicadas pela prática de atos de discriminação racial.

Lei Estadual 5.254/2018: Institui o ‘Dia Estadual das Mulheres Negras Latinas e Caribenhas de Mato Grosso do Sul’.

Lei Estadual 5.206/2018:  Institui o “Dia do Orgulho Crespo de Mato Grosso do Sul”

Lei Estadual 5.216/2018: Dispõe sobre o Cadastro Estadual dos condenados por racismo ou injúria racial no Estado.

Lei Estadual 5.094/2017: Altera a Lei 910/1989 (dispõe sobre o exercício dos Cultos Afros Brasileiros, e dá outras providências), revogando artigos que condicionam o exercício da prática religiosa à apresentação de prova de idoneidade moral e atestado de sanidade mental.

Lei Estadual 3.926/2010: Dispõe sobre medidas de combate ao racismo.

Lei Estadual 3.594/2008: Institui, como medida de promoção da igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, o programa de cotas reservando 20% aos negros e 3% aos índios, das vagas oferecidas em todos os seus concursos para provimento de cargos e de empregos públicos nos quadros de carreira.

Lei Estadual 3.318/2006: Institui o Dia da Consciência Negra em Mato Grosso do Sul.

Lei Estadual 2.605/2003: A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul deverá reservar uma cota mínima de 20% de suas vagas nos cursos de graduação destinada ao ingresso de alunos negros.

Lei Estadual 2.726/2003: Dispõe sobre as diretrizes da Política de Cultura no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências, em que visa, dentre outros itens, “proteger as expressões culturais, incluindo as indígenas, as afro-brasileiras e as de outros grupos participantes do processo cultural”.

Fonte

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