Copa Feminina no Brasil é a chance para um amanhã mais justo

Tive o privilégio de estar no jogo de estreia da Austrália como uma das duas sedes (junto da Nova Zelândia) da maior Copa do Mundo Feminina da Fifa de todos os tempos, em 2023. Em campo, Austrália e Irlanda se enfrentaram com arquibancada lotada, sob os olhares de um público recheado de crianças e famílias vestidas da cabeça aos pés com as cores de seus países.

Horas antes, no meu e-mail, havia chegado um release da Fifa, dizendo que todas as propriedades globais e regionais de patrocínios para o torneio tinham sido endereçadas a parceiros comerciais. Foram cinco parceiros globais Fifa, dois parceiros globais focados especificamente no futebol feminino, nove patrocinadores para a Copa do Mundo na Austrália e na Nova Zelândia, e ainda outros 14 apoiadores.

Ao mesmo tempo, nas redes sociais, chamou minha atenção a quantidade de jornalistas e profissionais de mídia especializada que publicavam fotos e stories de seus embarques para a Oceania, para uma cobertura histórica do maior evento esportivo feminino do planeta.

De volta ao campo, atrás do gol, uma quantidade digna de fotógrafos perfilados aguardavam os melhores momentos para serem eternizados e viralizados em publicações ao redor de todo o mundo quase que em tempo real. Nas arquibancadas, inúmeras meninas vestiam com orgulho camisas de futebol da Marta, da Sam Kerr, da Megan Rapinoe e de tantas outras jogadoras.

Fui com uma motorista voluntária do aeroporto ao hotel na minha chegada. Ela me disse que estava participando do evento porque a filha dela tinha desanimado de jogar futebol, mas, quando souberam que a Copa seria por lá, decidiram se voluntariar. E estavam em êxtase.

Foram 10 estádios, 9 cidades-sede, centros de treinamento específicos para cada seleção, Fifa Fun Festival em todas as sedes, 32 times e um manifesto que dizia que aquela era uma fagulha de inspiração para uma nova era do futebol feminino. Parece incrível, certo?

Corta para maio de 2024. O Brasil é o mais votado para sediar a Copa do Mundo Fifa Feminina de 2027. “Uma escolha natural”. Assim dizia o slogan da campanha apresentada no bid da Fifa. Seria essa talvez a maior faísca da nova era do futebol feminino no Brasil? Espero sinceramente que sim.

Trabalhei por quase uma década em clubes de futebol. Não muito diferente do que se possa imaginar, o cenário do futebol feminino não é dos melhores, e que fique claro que não me refiro exclusivamente aos clubes por onde passei aqui. De forma generalizada, a categoria feminina treina nos piores centros de treinamento em comparação ao masculino, joga em estádios secundários, quando faz parte do time de camisa do Campeonato Brasileiro normalmente usa uniformes de coleções anteriores, com uma estrutura multidisciplinar reduzida e salários ainda mais reduzidos.

Eu já vi atleta faltando a um treino porque não tinha dinheiro da condução, atletas mães discriminadas porque precisavam levar seus filhos ao treino, já que não há suporte suficiente para deixar a criança acolhida em outro local, e atleta chegando sem chuteira porque simplesmente lhe faltava equipamento básico.

O futebol feminino brasileiro é sustentado pelo amor ao esporte (com exceções, é claro). Por sonhos de um futuro melhor a serem buscados. Por referências (poucas) que conseguiram furar a bolha e fazer daquilo uma profissão lucrativa, mesmo tendo que absolutamente todos os dias praticamente provar que merecem estar onde estão. Do ponto de vista de quem está fora das quatro linhas, nos bastidores, a necessidade de trabalhar o triplo para atingir um décimo do resultado que se merece faz parte da nossa rotina.

Minha esperança é a de que a lupa mundial foque no futebol feminino brasileiro a partir de agora, a tal ponto que não seja mais possível aceitar certas condições. Que mais empresas realmente abracem a modalidade e transformem a categoria em projetos autossustentáveis. Que profissionais competentes que dedicam suas vidas de forma incansável à modalidade tenham finalmente reconhecimento.

Serão três anos para colhermos cada semente plantada.

Tenho a mais absoluta certeza de que o torneio no Brasil será incrível, lindo, com estádios cheios, ativações de marcas sem fim e uma atmosfera de esperança para o esporte de uma forma geral. Mas a minha maior torcida não é por um evento bonito, e sim por aquela outra palavrinha que às vezes dá um arrepio só da gente escutar: legado. O Brasil não tem um histórico lá tão bom em construir legado duradouro, não é verdade?

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Que o Brasil com S se utilize do Brazil com Z para construir pilares fortes e estruturas firmes. Que seja o início de um futuro promissor com essa 10ª edição da Copa do Mundo Feminina da Fifa em 2027. Para nós, brasileiros, a comemoração foi em dobro. Por um evento inesquecível, mas também pela possibilidade de enxergarmos um amanhã mais justo.

Agora é hora de celebrar. É do Brasil!

Raiana Monteiro é ex-coordenadora de comunicação do Flamengo, ex-diretora de relações públicas do Vasco e atualmente exerce a função de coordenadora de conteúdo do Fifa+, a plataforma de streaming da Fifa

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