Não foi preciso nem um ano para que os clubes da Liga Forte União (LFU) percebessem que fizeram o pior negócio de suas vidas ao venderem 20% de seus direitos de mídia a fundos de investimento que pagaram, por isso, cerca de 3% do valor atual do contrato de mídia.
Só isso já seria uma tremenda burrada se fosse um acordo válido por cinco temporadas, mas fica ainda mais ridículo quando o contrato prevê que, durante 50 anos, os clubes terão um sócio que ficará com 20% de sua maior fonte de arrecadação.
Como tudo que é ruim pode piorar um pouco mais, o cenário fica ainda mais tosco quando o negócio não envolve todos os clubes que disputam as Séries A e B do Brasileirão, mas apenas uma parte deles.
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O mais incrível nessa história toda é ver que os dirigentes que assinaram um acordo pavoroso foram os mesmos que, há dois anos, romperam as discussões em conjunto pela criação de uma liga única de futebol no Brasil. A grande queixa era exatamente a divisão de receita que a Liga do Futebol Brasileiro (Libra), até então a “única” liga existente, havia proposto, que dava mais privilégio a alguns clubes, o que, na visão dos dirigentes, causaria uma disparidade financeira entre eles.
Agora, os cartolas perceberam que eles próprios caíram na armadilha que foi criada por terceiros com discursos de “quebra de sistema”, “democratização do futebol” e maior “igualdade” entre os times.
O projeto de vender a um fundo de investimentos parte dos direitos de mídia por um longuíssimo prazo foi inventado no auge da pandemia como uma forma de gerar caixa para os clubes em um momento em que tudo era incerto.
O fundo CVC tentou, primeiro, comprar parte dos direitos da Bundesliga, da Alemanha. Os clubes estudaram, ficaram tentados, mas perceberam que, por pior que fosse o momento, era melhor resguardar a integridade de seu melhor negócio. O fundo correu para a Serie A, da Itália, que tem clubes muito mais desesperados financeiramente. O projeto foi rejeitado após muito debate.
Foi então que a LaLiga, da Espanha, decidiu aceitar o negócio. Sem apoio do governo para organizar o caixa dos clubes, os espanhóis decidiram aceitar o aporte, mas criando diversas regras para controlar o uso do dinheiro e evitar que os gastos fossem só em contratar jogadores. Barcelona e Real Madrid rejeitaram o projeto, alegando que não tinham por que ceder 20% de sua mídia por 50 anos a alguém. Por mais quebrado que estivesse o Barça, o projeto parecia completamente estapafúrdio.
Por aqui, abrasileiramos a ideia e criamos um monstro ainda maior.
Pegamos o conceito de 20% por 50 anos. E só. Não fomos discutir se existiria uma liga para controlar o destino da verba. Não nos preocupamos em entender o impacto que a entrada de mais dinheiro teria no mercado no curto, médio e longo prazos. Não paramos para calcular se estávamos vendendo por muito pouco algo que vale muito.
E o que mais impressiona é que tudo isso não aconteceu por falta de aviso.
O mercado que realmente tem interesse em ver o futebol, de fato, mais forte, alertou que o negócio era péssimo. Ele causaria disparidade financeira no curto prazo, com a entrada de muito dinheiro sem nenhum controle nos clubes. Traria problemas no médio prazo, já que isso levaria a uma inflação no mercado. Mas o grande desastre viria, principalmente, no longo prazo, já que apenas uma parte dos clubes fechou esse acordo. Ou seja, nos próximos 50 anos, enquanto uma parte dos times terá 100% da verba de mídia, a outra terá 20% a menos.
O cenário só piora quando olhamos para a perspectiva de que, hoje, existem dois blocos negociando os direitos comerciais dos principais clubes do país. Com um Brasileirão rachado em dois, o valor a ser pago para cada um dos blocos é diferente. E a tendência, atualmente, é que os clubes da Libra receberão, proporcionalmente, mais do que os da Liga Forte União. E esses clubes ainda teriam 20% a menos dessa receita para entrar no caixa.
Não foi por falta de aviso.
Agora é a hora dos clubes entenderem que toda essa disparidade surgiu por um único motivo. A Lei do Mandante acabou com a necessidade de negociar em conjunto os direitos de mídia. E deixou um vale-tudo na negociação do bem mais precioso que o esporte possui.
Renegociar a venda da parcela dos direitos de mídia por tanto tempo é um primeiro caminho para tentar recalcular o percurso. Aparentemente, há um pouco de luz no fim do túnel. Mas parece que a saída ainda está longe. A má notícia é que ela não chega antes de 2030. E, até lá, o cenário dos clubes poderá mudar ainda mais. E para pior.
Por fim, a pergunta que não quer calar é uma só: a quem interessa tanta fraqueza do lado dos clubes em uma mesa de negociação?
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo