Motorsport no Brasil vive temor de virar “restaurante sem prato”

Imagine o empreendedor do segmento de gastronomia decidido a abrir um novo restaurante. Ele contrata dois chefes renomados, um deles com estrela Michelin. Depois, abre os cofres para garantir os melhores ingredientes, os mais frescos e exclusivos, independentemente do preço. Então, investe mais dinheiro para uma carta de vinhos diferenciada e outro tanto na decoração e mobiliário. Aí contrata consultoria especializada para capacitar todos os funcionários.

E, chegando no dia da abertura do novo negócio, não tem prato nem talher para receber o público…

O automobilismo brasileiro está perigosamente flertando com a síndrome do “restaurante sem prato”.

Atravessamos um momento singular, com grandes pilotos em atividade no Brasil, alguns com títulos mundiais, outros com anos e anos de Fórmula 1. As equipes estão capitalizadas, com patrocinadores engajados, visão de longo prazo e até consultoria internacional. Os promotores de eventos fazem seu papel, com iniciativas inovadoras, ativações de marketing criativas e customizadas. A mídia especializada floresce, na esteira do conceito de narrativas múltiplas difundido globalmente pela F1 e seu “Drive to Survive”.

Tudo isso para corrermos nos autódromos de Interlagos, Velocitta, Goiânia e Cascavel…

Um esporte com a tradição e o potencial de geração de receita como o automobilismo não pode ficar restrito a quatro praças, sendo duas em mercados interioranos.

Vejamos, por exemplo, comunicado recente da Stock Car redistribuindo as corridas de seu calendário. O título era alarmante: Stock Car anuncia mudanças no calendário e destaca “crise nos autódromos”.

Crise nos autódromos, em outras palavras, é: sem mais do que quatro pistas realmente viáveis no Brasil, o campeonato nacional de Stock Car, além de correr em Buenos Aires e repetir etapas em Goiânia, Interlagos e no Velocitta, acrescenta o autódromo uruguaio de El Pinar. Também espera correr no Velopark (torcendo pela recuperação do cenário gaúcho após as tormentas que colocaram o Rio Grande do Sul em estado de calamidade). E já avisa: se Brasília, de novo, não entregar a promessa de concluir um autódromo vizinho a um estádio da Copa de 2014 de mais de R$ 1 bilhão, cuja reforma se arrasta há mais de meia década, vai de novo correr em Cascavel.

A Stock Car não está sozinha nessa batalha inglória do restaurante sem prato.

Viajar é preciso

Na falta de outras alternativas em solo nacional, a Porsche Cup achou por bem colocar toneladas de equipamento em navios transatlânticos e acaba de realizar duas etapas no Estoril. A pista portuguesa recebeu os maiores grids de endurance e de sprint da história da categoria. E o campeonato de longa duração terá sua segunda etapa na Argentina, em Termas de Río Hondo.

Sem autódromos viáveis, do jeito que dá e com base na iniciativa privada, o automobilismo brasileiro tenta achar novos palcos e lutar contra a síndrome do restaurante sem prato. Belo Horizonte, com o traçado de rua e o festival de velocidade que promete para a Stock Car em agosto, promete renovar em parte o “aparelho de jantar”. Quiçá dure mais que uma temporada, diferentemente do GP do Galeão, alardeado como entregar inovadora, mas que, na prática, apresentou dificuldades relevantes no Rio há alguns anos: a montagem da estrutura era caríssima, os espectadores ficavam a léguas da pista, os ângulos de câmera eram precários e distantes e houve até cinegrafista picado por cobra nos canteiros do aeroporto transformado em pista.

O automobilismo no Brasil é uma atividade esportiva profissional, lucrativa, rentável. É uma modalidade de muita tradição, com sólida base de fãs, engajamento de patrocinadores e cobertura midiática regular. Gera muitos empregos e nos mais diversos extratos da sociedade. Um evento de corrida de carro bem produzido, como é a F1 em São Paulo, por exemplo, responde por um terço da sustentabilidade do setor hoteleiro da cidade.

Não por acaso, São Paulo é a única cidade do planeta em 2024 a ter quatro eventos de quilate mundial no esporte a motor: GP de F1, e-Prix da Fórmula E, etapa do WEC e do FIA TCR World Tour.

O que falta para termos mais autódromos?

Como pratos em um restaurante, pista de corrida, para o automobilismo, é item essencial. É insustentável uma marcar investir no longo prazo em um “campeonato brasileiro” que acontece apenas em três ou quatro estados no país.

Luis Ferrari é sócio-fundador da Ferrari Promo, agência-boutique com ênfase no mercado do esporte a motor, e possui formações em Jornalismo e Direito, extensão universitária em Marketing e pós-graduação em Jornalismo Literário, além de ser empresário de relações públicas e diretor de marketing e comunicação do Club Athletico Paulistano. Ele escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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