Nesta segunda-feira (20), é celebrado o Dia da Consciência Negra, data que homenageia Zumbi, morto em 20 de novembro de 1695, ele que foi o último e mais famosos líder do Quilombo dos Palmares, localizado numa região que pertence atualmente ao estado de Alagoas e que representou, por mais de um século, um dos principais polos de resistência à escravidão no Brasil colonial.
Esporte cujos principais ídolos são negros, em um país cuja população se declara majoritariamente preta ou parda (quase 56% dos brasileiros), o futebol, há alguns anos, tem abraçado – ainda que de uma maneira tímida e pouco crítica – o Dia da Consciência Negra.
Em tempos atuais, na onda das camisas temáticas em apoio a causas sociais, os uniformes alusivos à Consciência Negra vêm ganhando destaque no futebol brasileiro.
Por enquanto, essa tendência é impulsionada muito mais por razões mercadológicas, do que históricas. Por um lado, com as redes sociais as instituições passam a ser cobradas a se posicionarem sobre temas de grande relevância para sociedade. Por outro, ao abraçarem determinadas pautas, os times conseguem a acenar para um público consumidor para lá de considerável.
Divulgada na última semana, a pesquisa “Consumidores Negros”, feita por Preta Hub, Instituto MAS Pesquisa e Oralab, numa parceria com o projeto Sintonia Com a Cidade, da Rede Globo, mostra que a população preta e parda no Brasil movimenta R$ 1,46 trilhão ao ano.
Essa estimativa foi feita a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc) de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e leva em conta da renda bruta dos trabalhadores negros multiplicada por 13 (o cálculo inclui o 13º salário). Ela mostra o enorme potencial desse mercado, no Brasil.
Existem alguns casos muito específicos, claro, em que a história do clube é de fato marcada por episódios de comprometimento com a pauta antirracista e a promoção da igualdade dentro do esporte. O exemplo mais emblemático é do Vasco, que lançou, no mês passado, seu uniforme em homenagem ao centenário do título carioca de 1923, conquistado pelos “Camisas Negras”, time formado por operários, comerciários e trabalhadores braçais, a maioria deles negros e pobres.
O modelo foi utilizado em um dos posts feitos pelo clube, no Dia da Consciência Negra.
Flamengo, Fluminense e Botafogo
O fato de o Vasco ter montado um time com tais características, numa época em que o futebol era um esporte considerado de elite e que barrava o acesso a pessoas pretas e pardas, já poderia ser considerado um feito. No ano seguinte, porém, o clube daria um passo além, com a chamada “Resposta Histórica”, nome pelo qual ficou conhecido o ofício nº 261, assinado pelo então presidente vascaíno José Augusto Prestes e endereçado à recém-criada Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (Amea).
A nova entidade havia convidado o clube alvinegro a se juntar às suas fileiras, mas impôs condições, entre elas a exclusão de 12 atletas vascaínos, todos negros ou de origem pobre. O Vasco disse não à Amea, em uma atitude que foi considerada como crucial para garantir a integração dos pretos e pardos ao futebol brasileiro.
Nesta semana, rivais do Vasco como Flamengo e Fluminense – ambos, membros fundadores da Amea – também lançaram camisas alusivas ao Dia da Consciência Negra. Nos dois casos, a comunicação adotada pelos dois times seguiu uma linha de exaltação das próprias histórias e evitou fazer a autocrítica por conta desse ou de qualquer outro episódio que pudesse ser considerado espinhoso.
O Flamengo procurou destacar seus ídolos negros ao longo das décadas, em diversas modalidades. Produzida pela Braziline, a camisa do rubro-negro é na cor preta, com detalhes em dourado e elementos que remetem à cultura africana.
Torcedores que adquirem a peça poderão personalizar com sete opções de patches antirracistas, trazendo as palavras: equidade, respeito, diversidade, comunidade, empoderamento, inclusão ou empatia. Patrocinador do Flamengo, o Mercado Livre também reforçou a divulgação da nova camisa, que é vendida no e-commerce oficial do clube.
Em um ambiente de forte rivalidade clubística, os comentários dos posts sobre a nova camisa foram marcados por críticas e ironias, vindas principalmente de torcedores do Vasco, com alguns insinuando o que o modelo seria uma cópia da uniforme lançado no mês passado pelo time da Colina, enquanto outros fizeram questão de resgatar o episódio da década de 1920, quando da fundação da Amea.
Em sua camisa alusiva ao Dia da Consciência Negra, o Fluminense fugiu da tendência observada nos últimos tempos e optou por uma camisa na cor branca e alguns detalhes em verde e grená. Neste caso, em vez de recordar de diversos atletas pretos e pardos que vestiram seu uniforme, ao longo da história, o Tricolor das Laranjeiras optou por resgatar a figura de Chico Guanabara, personagem citado pela crônica da primeira metade do século passado (por nomes como Mário Filho e Coelho Netto), negro e capoeirista, que teria sido o primeiro torcedor da história do futebol carioca.
A camisa comemorativa do Fluminense, do Dia da Consciência Negra, foi lançada em parceria com a Liga Retrô.
O Botafogo havia anunciado, no começo do mês, o lançamento de uma camisa feita pela Volt e que terá parte da renda destinada ao Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
Ela traz o escudo do Botafogo e a logo da Volt na cor preta, além do selo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol e a frase da campanha “Consciência Negra Todo Dia”.
São Paulo, Cuiabá e Atlético-MG
O São Paulo foi outro clube que apresentou, nesta semana, seu uniforme alusivo ao Dia da Consciência Negra. O modelo é predominante na cor preta, com detalhes em vermelho, e foi desenvolvido em parceria com a marca própria SAO.
O Cuiabá apresentou também sua camisa especial do Dia da Consciência Negra, numa parceria com a patrocinadora Agro Amazônia. Ela também tem cor predominante escura, com detalhes em verde, e traz a imagem de um punho cerrado, popularizada a partir da década de 1960, pelos membros do Partido dos Panteras Negras, nos Estados Unidos, e que passou a ser adotada como símbolo de resistência pelo movimento negro em todo o mundo.
O Atlético-MG já havia lançado, no início deste mês, sua camisa alusiva à Consciência Negra. Feita na cor creme, ela traz a mensagem “Trançar Brasil e África”, com grafismos em estilo africano, em tons de preto e amarelo, e conta ainda com o patch amarelo “Da Raiz à Luta”.
Neste caso, juntamente da Play For a Cause, o clube mineiro promoveu o leilão virtual de 21 camisas usadas no confronto diante do Fortaleza, realizado no início deste mês. A renda obtida será revertida para projetos sociais do Instituto Galo.
Marketing social
Em recente entrevista à Máquina do Esporte, na qual analisou a proliferação de camisas alusivas a causas sociais no futebol brasileiro, o professor e pesquisador da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP) Ary José Rocco Júnior disse acreditar que tais estratégias estão mais associadas ao marketing social.
Na visão do especialista, que é fundador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Marketing e Comunicação no Esporte da USP, camisas com causas sociais são, na maioria dos casos, sinais de que os clubes entendem que determinado tema é relevante para a sociedade e por isso fazem questão de adentrar nesses debates.
“Por outro lado, não vejo de fato a existência de uma política de responsabilidade social concreta dos clubes, onde seja possível enxergar esse tipo de ação não só do ponto de vista do marketing, para a torcida ver, mas também nas suas posturas e na gestão, diante de determinadas situações em que esses problemas ficam em evidência”, afirmou.